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domingo, 13 de novembro de 2011

POESIA - CULTURA SANTANENSE I

iEis um de nossos poetas de maior destaque, José Alcides Pinto, "O Poeta Maldito", que nos deixou em junho de 2008, nessa data Santana do Acaraú ficou bem menos poética. Vamos apreciar  uma das grandes obras desse saudoso poeta santanense do Distrito de Parapuí (ou São Francisco do Estreito).

"Quando morre um poeta o mundo fica lastimavelmente mais pobre. Terrivelmente mais triste. Inevitavelmente mais feio". 
De Pedro Salgueiro, no Dossiê em sua homenagem no Jornal de Poesia.


Vamos conhecer um pouco sobre a trajetória de nosso poeta na coluna da então estudante do Curso de Letras da UEVA no Jornal Correio da Semana de Sobral - CE, "UM ESCRITOR DIFERENTE", Deusilene Rodrigues da Costa, de Coreaú.

Um grande nome da Literatura Cearense que merece destaque é José Alcides Pinto, autor de renome, escreveu obras admiráveis. Nasceu no dia primeiro de setembro de mil novecentos e vinte e três em São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú-Ce, e faleceu em Fortaleza-Ce, no dia dois de junho de dois mil e oito.
Seu pai José Alexandre Pinto, era capitão de tropa de ciganos, e sua mãe Maria do Carmo Pinto, descendente dos índios Tremembés. José alcides Pinto diplomou-se em Jornalismo, em Biblioteconomia, fez curso de especialização em Pesquisas Bibliográficas, em Tecnologia e um Curso de História das Américas. Começou a trabalhar muito cedo como jornalista, foi colaborador em vários jornais, revistas e em toda a imprensa de Fortaleza.
José Alcides Pinto estreou na Literatura Cearense em 1950, com a obra “Antologia dos poetas da nova geração”. Contribuiu significativamente para nossa literatura. Escreveu, com talento, romances, teatro, novelas, ensaios, poesias e foi crítico literário. Ganhou o Prêmio José de Alencar da Universidade Federal do Ceará pela produção de Romance e Conto em 1969 e é o principal responsável pela introdução do Movimento Concretista no Ceará.
Em suas obras, José Alcides Pinto utiliza-se do sobrenatural, do magnífico, do fantástico, do absurdo, etc., isto é perceptível nas obras que compõem a Trilogia da Maldição: O Dragão (1964), João Pinto de Maria (1974) e Os verdes Abutres da Colina (1974), analisada neste artigo.
José Alcides Pinto recebeu o apelido de “maldito”, já que suas obras eram pautadas em elementos de desordem, subversão e refletia aspectos de uma visão satanista do mundo. Segundo a própria visão do autor, o artista é predestinado a ser maldito. Porém, a partir desse tipo de maldição, o autor também é predestinado a ser dito, ou seja, falado, assim muitas de suas obras obtiveram o reconhecimento merecido, e este autor mal dito passa a ser bem dito graças a seu talento.

Os Verdes Abutres da Colina: ingredientes de um “maldito”
Os Verdes Abutres da Colina, é um dos livros que compõe a trilogia da maldição. Estão presentes nesta obra aspectos como: o diabólico, o sagrado, a maldição do sexo, a morte, a paisagem alucinante, o real convivendo com o não-real, dentre outros. De acordo com Paulo de Tarso: “Aí está, enfim, o fantástico – uma narrativa que ultrapassa os limites da verossimilhança (…)”. (Os verdes abutres da colina, 2001, p.05).
O autor é de certa forma cúmplice de seus personagens, pois defende a tese desenvolvida por eles quando relata o porquê das relações incestuosas, motivo principal da maldição daquele povoado, que seria a lição: “(…) crescei e multiplicai-vos”, fundamento do livro de Gênese da Bíblia Sagrada, onde Deus, ao criar o mundo dá ordem para povoá-lo.
Observa-se também, a presença do extraordinário e da alucinação, um exemplo disto é o personagem José da Mata, que é um cego curandeiro, que possui uma mosca presa dentro de uma garrafa. Lembrando-se de que o Diabo era chamado pelos fariseus de Beelzebu, como em: “(…) Ele expulsa os demônios pelo poder de Beelzebu, o chefe dos demônios!” (MATEUS, 12, 24). Na verdade, etimologicamente: “senhor das moscas”: Baal – Zebud.
Enfim, em seu livro acaba deixando transparecer nitidamente o ar demoníaco de suas obras, onde todas as características supracitadas aperfeiçoam o caráter extraordinário das obras de José Alcides Pinto: um escritor realmente de renome em nossa literatura.
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Confira também a coluna do nosso escritor e artista plástico Audifax Rios no Jornal O Povo (01/07/2011), "Meu tipo inesquecível XXV", dedicada a Alcides Pinto.


O tempo voa. Já lá se vão três anos que o poeta Alcides Pinto se foi. Será mesmo? Há pessoas assim que não nos deixam jamais. Figuras tão presentes, tão atuantes, pertinazes ao transitar em nossas conversas, atentas, alertas, a nos indicar caminhos, alegar exemplos, transmitir experiências. Deste modo ainda futricam o nosso cotidiano Augusto Pontes, Cláudio Pereira, Zé Domingos, Carlos Paiva, Luciano Barreira e Miranda... e o poeta maldito José Alcides Pinto.

Seu médico, seu biógrafo, Almir Gomes de Castro às vezes entrava em pânico e telefonava: dê uma chegadinha na casa do poeta, ele tá muito pra baixo e sua visita vai lhe fazer muito bem. E lá na casinha a Vila Cordeiro entrava com as tapiocas da Valda como passaporte, ô de casa, o poeta ribeirinho está vestido?... e ele abrindo a portinhola ainda nu de cintura pra cima, escancarando, sobretudo, o coração avariado.

A receita era simples, complemento dos placebos aviados pelo doutor Almir, leriado em torno das coisas e das gentes da ribeira: as últimas peripécias dos mentecaptos (e são muitos) que povoam o seu querido Estreito, notícias do primo Bá, propostas de compra das terras do Dragão pelo Antônio de Jesus que já lhe presenteara com o jazigo perpétuo. Relembranças do vigário Arakém da Frota, de há muito viajado, matriz do seu impiedoso Padre Tibúrcio, o cura d’O Dragão. O poeta ouvindo calado, falando aos poucos, por fim eloquentemente tagarela, abanando os braços, totalmente curado da momentânea depressão. Era hora, então, de devorar as tapiocas da Valda, batata doce e macaxeira enviadas daquelas lonjuras pelo Chico Pinto, o irmão querido que também abastecia sua despensa de feijão de vazante, traíra escalada, bandas de bode e mantas de carne seca. Quando o mano Chico se foi, seguiu-o outra banda do Zé, já tão minada pelas ausências da Paloma e da Belkiss. A outra metade era completada pelas presenças carinhosas de Jamaica, Artaud e Alessandra, seus mais bem elaborados poemas.

Enquanto isso em Terras do Dragão esperava-o o negro cruzeiro de braços abertos e garras de abutre, a saudar sua chegada em trajes franciscanos portando uma mala de beiradeiro e a última cabrocha conquistada à custa de versos que falavam de santas almas, cabras espevitadas e doces demônios. Como desabotoados estavam seus braços no daguerreótipo que escastoou com desmedida antecedência na dita gaveta mortuária ou vivificatória em cuja inscrição registrava, à priori, que jazia para todo o sempre.

Acompanhei quando partiu até sua derradeira morada. Caia a noite, descia a sombra do seu manto missionário sobre o céu do Parapuí, ou melhor estreito do São Francisco, pousava o silêncio em cada boca e em cada coração. Como se a própria poesia estivesse se aposentando por uns tempos. Os verdes abutres partiam em revoada rumo ao serrote do Mucuripe levado as últimas metáforas do bruxo velho. E todos ficaram órfãos do manto verde da sua musa tresloucada.

Porém os fantasmas não partiram, rondam a colina dos abutres perdidos, o morro dos Rocha, o patamar da capela do Pobrezinho de Assis, o campanário apocalíptico. O poeta sentado na calçada da mercearia defronte, olhando para a torre que aponta o céu promissor do qual tanto duvidava. Está ali como estátua de sal, o composto que eterniza as curimatãs prateadas do rio Acaraú, o espírito que humaniza sua poesia eterna.

José Alcides Pinto, poeta maldito, dito profano, no entanto sagrado, hoje, meu bendito tipo inesquecível.
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Para sempre na memória e no presente da literatura cearense, José Alcides Pinto. 

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